POEMA DE ABERTURA

  • EIS UMA VERDADE DE PRIMEIRA INSTÂNCIA: A CRIANÇA VIVE EM ESTADO DE POESIA, O POETA VIVE EM ESTADO DE INFÂNCIA. Carlos Vazconcelos

15 de fev. de 2013

À GUISA DE CARTA ou A FOTOSSÍNTESE POÉTICA



Fortaleza, Carnaval de 2013

Carlos Nóbrega, nobre Xará,

Seu novo livro, Lápis branco, já me conquistou lugar na estante. Lá não estará sozinho, mas em família. Tem por companhia toda a irmandade: A sono solto, Outros poemas, Breviário, Árvore de manivelas, O quanto sou e 8Verbetes. Nessa prateleira só mora gente de ótima estirpe: Carlos Drummond (o outro xará), Manuel Bandeira e Manoel de Barros, João Cabral, Mário Quintana e Augusto dos Anjos. Não precisa se encabular, que ali também residem dois conterrâneos: Francisco Carvalho (com seus títulos e “tons e dons geniais”) e O Poeta de Meia-Tigela (com seu concerto desconcertante de tão bom). Nesse momento, assim se resume minha prateleira principal de poetas do Brasil.
Com Lápis branco você reafirma esse lirismo carregadinho de reflexões próprio de sua estética e do seu estar no mundo. Como Manoel de Barros, você sabe arqueologicamente escovar as palavras para descobrir que ecos ainda guardam. Feito isso, reveste-as de brilho novo e, mesmo sem se esforçar para expô-las na vitrine, elas reluzem e aliciam o leitor, apenas aqueles que “sofrem” de fotossíntese. Explico: Aprendi erradamente na escola que a fotossíntese é um fenômeno exclusivamente vegetal. Mas hoje compreendo: minha professora de Ciências não tinha o hábito de ler poesia. Eu a perdoo. É feito padre: ensina a casar, mas não casa nunca. Sofrer de fotossíntese é ter a lua por companheira de viagem; é entrar naquela casinha sem número (a avozinha da rua) que distribui humanidade, e tomar um café com pão; é ajeitar a alma dentro da blusa e sair à cata de versos no bulício da cidade grande; é entender o estranho e delicioso esperanto das mulheres; é saber esperar na fila da padaria e da vida e nesse intervalo ser distraído pela poesia; é achar fatigante a ideia de desaparecer (inevitavelmente) um dia para sempre; é ser encontrado morto dentro dos olhos vivos da amada; é andar sozinho em procissão contando os passos entre um poste e outro (feito aquele personagem de Orígenes Lessa), é não ligar se pousem moscas ou olhares sobre a felicidade de fiar poemas. Enfim, é escrever com lápis branco sobre papel branco para que só captem a mensagem aqueles indivíduos “clorofilados”, os que sofrem de fotossíntese poética.
Afinal, não foi Mário Quintana que disse que “cada poema é uma garrafa de náufrago... quem a encontrar, salva-se a si mesmo?”
Sei que você não acredita que a poesia possa salvar alguém, mas que ajuda a não doer, ah, disso nós temos certeza.

Abraço do Carlos Vazconcelos.

8 de fev. de 2013

MAPA DE ERRÂNCIAS 2


Esta semana, li na revista Época que o uso excessivo de aspirina causa cegueira (informação dada a partir de estudos recentes). Lembrei-me logo do poeta João Cabral de Mello Neto, que ingeriu esse tipo de comprimido por quase 50 anos. Consumiu cerca de 70 mil aspirinas (de acordo com José Castello). Era tão dependente que escreveu o poema "Num monumento à aspirina", publicado no livro A educação pela pedra. Acho que foi o único poeta no mundo que dedicou versos a um remédio. Compara-o a um "sol artificial" que "a toda hora em que se necessita dele/levanta e vem (sempre num claro dia)/acende, para secar a aniagem da alma/quará-la, em linhos de um meio-dia."

Explica-se esse "amor". O poeta padecia de dor de cabeça crônica desde os 16 anos, cuja causa nunca fora diagnosticada. Curou-se somente em 1986, após cirurgia no estômago. Certa vez, em entrevista à Folha de São Paulo, reiterou: "Eu a comparo a um sol. Depois eu soube que a aspirina é euforizante. Tenho a impressão de que essa minha depressão de hoje é falta de aspirina. Resolvi tomar uma por dia - tomava seis -, mas, como não tenho mais dor de cabeça, eu esqueço." Perguntado em seguida se rejeitava drogas no momento da criação, respondeu: "Ah, sim. Quero escrever sempre em plena consciência." João Cabral morreu em 1999, com avançada cegueira e muita melancolia.

6 de fev. de 2013

MAPA DE ERRÂNCIAS 1


Recebi, por esses dias, livros dos conterrâneos Nilto Maciel (Menos vivi do que fiei palavras) e Carlos Nóbrega (Lápis branco). Ambas as obras publicadas pela editora Penalux, de São Paulo (selo Castiçal, para prosa; selo Candeeiro, para poemas). Edições caprichadas. Nilto Maciel trouxe a lume elucubrações literárias anotadas no tempo em que morou em Brasília. Delicio-me com textos dessa natureza. Revelam e disfarçam idiossincrasias. Gostei de tê-lo recebido. Carlos Nóbrega, meu nobre xará, segue afiado em seus minipoemas. Lírico, existencialista e observador microscópico dos detalhes da vida, continua sendo o meu poeta predileto, juntamente com Drummond, Bandeira, João Cabral, Francisco Carvalho, Quintana e Manoel de Barros.